SAUDADES DO CABOCLINHO
A nossa vida é toda feita de recordações. Ao longo da existência, a gente vai guardando, na memória, no dia-a-dia de todos nós, as lembranças mais queridas – justamente aquelas que envolvem as pessoas que mais admiramos e que, por isso mesmo, resolvemos torna-las inesquecíveis. É como se a gente consultasse, à cada semana, para escrever esta crônica, um calendário especial... diferente desses que marcam apenas os meses e os dias... um calendário da saudade, onde anotamos, com as nossas mais puras emoções, os nomes daquelas pessoas que, de um modo ou de outro, marcaram as nossas existências.
Nos meus tempos de serenata lá em Campina Grande, no alvorecer da juventude, quando o Clube do Bacurau ainda funcionava todos os fins-de-semana, que tive a honra e o prazer de levar o Sílvio Caldas – o maior seresteiro de todos os tempos – para cantar, à luz da lua e ao som do violão de Antonio Emiliano, Carinhoso, de Pixinguinha, ao término do qual dezenas de pessoas despertaram na madrugada para aplaudi-lo.
Foi num dia 23 de maio do ano de 1908 que nasceu, numa casa modesta do bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, o menino Sílvio Narciso de Figueiredo Caldas, filho do afinador de pianos Antonio e de dona Alcina Figueiredo Caldas. Antes de ser cantor, foi mecânico da Companhia Telefônica e motorista e, mesmo quando já estava contratado como artista da Rádio Mayrink Veiga, ainda continuou por muito tempo consertando caminhões. Em 1930, gravou, pela primeira vez, na RCA Victor, com o samba Amoroso, de sua autoria. Logo em seguida, no mesmo ano, gravou a canção Recordar é Viver e o samba-canção Amor de Poeta, ambas de autoria de Sinhô. Foi neste ano ainda que cantou Faceira, de Ary Barroso, que também começava sua carreira, tornando-se seu primeiro grande sucesso. Em 30, Sílvio lançou 19 discos pela Victor, contendo, ao todo, 32 músicas.
No ano seguinte, lançou várias marchinhas para o carnaval e um dos seus grandes sucessos nacionais, que foi o samba-canção Maria, de Ary Barroso e Luiz Peixoto, gravando, em 1933, um dos clássicos da música popular brasileira: a valsa Mimi, do seu amigo Uriel Lourival. E vieram, em seguida, sucessos inesquecíveis, como Serenata, Boneca, Telefone do Amor, Por Causa Dessa Cabocla, Favela dos Meus Amores, Madrugada, Saudades Dela, As Pastorinhas, Sorris da Minha Dor, Chão de Estrelas, Deusa da Minha Rua, A Cor do Pecado, Maria, No Rancho Fundo, Morena Boca de Ouro, Três Lágrimas, Aquarela do Brasil, Na Baixa do Sapateiro, Suburbana, Minha Casa, Boa Noite Amor, Torturante Ironia, Favela, Serra da Boa Esperança e centenas de outras músicas que ficaram em nossas vidas. Em 1978, gravou seu último show ao vivo, no Canecão, ao lado de Pedro Vargas. Em 1989, participou do último espetáculo montado em sua homenagem, no Teatro João Caetano. No dia 3 de fevereiro de 1998, aos 90 anos, Silvio Caldas, o Caboclinho Querido, faleceu no seu sítio em Atibaia, em São Paulo, onde viveu os últimos 40 anos de sua vida.
Sílvio disse adeus ao nosso mundo e foi fazer, com certeza, lá no
céu, à luz das estrelas - e bem pertinho delas - as mais belas serenatas de todos os tempos.
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