terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

CRÕNICA DA SAUDADE - 22/02/2011



REENCONTRO COM ARY

Foi no dia 9 de fevereiro de 1964, em pleno carnaval carioca, quando a Escola Império Serrano desfilava na avenida com o enredo Aquarela Brasileira, em homenagem ao grande compositor e maestro Ary Barroso, que a passarela do samba, de repente, foi sacudida por uma notícia que cobriu de luto e tristeza todos os foliões que dela tomaram conhecimento. Enquanto a escola desfilava, homenageando o próprio samba brasileiro, Ary Barroso, o principal foco da homenagem, fechava os olhos para a luz, ouvindo, sem dúvida, nos seus últimos instantes de vida, a batida incessante dos sambistas e os aplausos da multidão que aclamava seu folião maior e mais querido.

Ary de Resende Barroso, para quem não conhece, nasceu no dia 7 de novembro de 1903, na cidade de Ubá, em Minas Gerais, filho de João Evangelista Barroso, deputado estadual e promotor público naquela cidade mineira e de Angelina de Resende Barroso. Em 1911, pouco antes de completar oito anos de idade, o pequeno Ary perdeu a mãe, de apenas 22 anos, vítima da tuberculose. Dois meses depois, perdeu o pai, vitimado pela mesma doença, passando a ser criado pela avó, Gabriela, e pela tia, Ritinha, sua primeira professora de piano. Devido à dificuldades financeiras, com apenas 12 anos já ajudava a tia a manter a casa, fazendo, ao piano, fundo musical para os filmes exibidos no Cinema Ideal. Foi assim, portanto, com a simplicidade que costuma se fazer presente no nascimento dos gênios, que Ary Barroso veio ao mundo, dando início a sua caminhada em busca da fama, para tornar-se, sem dúvida, o maior compositor da musica popular brasileira de todos os tempos.

Foi em 1921 que Ary deixou definitivamente a cidade de Ubá e foi morar no Rio de Janeiro, onde prestou vestibular para a Faculdade de Direito, passando a estudar pela manhã , já que fazia fundo musical, ao piano, nos cinemas Íris e Odeon, de onde tirava o seu sustento. Devido a interrupções nos estudos, Ary só veio a formar-se em direito em 1930, por sinal na mesma turma do cantor Mário Reis. Com a política nas veias, foi o segundo candidato mais votado, em 1946, nas eleições para a Câmara Municipal do Rio, pela UDN. Foi como vereador que enfrentou uma grande batalha para que fosse construído o Estádio do Maracanã. Em 1954, não se reelegeu como vereador e lamentou o insucesso político em um programa da TV Tupi, mas revelou que a sua música preferida era Na Baixa do Sapateiro.

Nunca mais se candidatou, mas também, a partir daí, jamais deixou de compor. E agiu, como sempre, com genialidade. Não foi como vereador que se firmou no coração do nosso povo, mas com suas músicas inesquecíveis, como Aquarela do Brasil, Na Baixa do Sapateiro, Os Quindins de Iaiá, No Rancho Fundo e dezenas de outros sucessos populares e marchinhas carnavalescas, através das quais será eternamente lembrado.

Como no programa Encontro com Ary, que ele manteve, durante tanto tempo, na TV Tupi, nós, seus fãs, tivemos um Reencontro com Ary no último dia 9, quando lembramos que ele resolveu, há 47 anos, ser feliz para sempre e viver na eternidade.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A CRÔNICA DA SAUDADE


MAIS UM ANO SEM CAPIBA

No último dia 31 de dezembro, muita gente lamentou a passagem do décimo quarto aniversário da morte de um dos mais geniais compositores da música popular brasileira, o pernambucano/paraibano Lourenço da Fonsêca Barbosa, ou simplesmente Capiba, nascido na cidade de Surubim, no interior de Pernambuco, no dia 28 de outubro de 1904.

Como mais um carnaval se aproxima (e suas composições carnavalescas jamais serão esquecidas), as pessoas, que tiveram a felicidade de conhecer Capiba de perto, não podem deixar de lembrar que ele nasceu e viveu aqui, espalhando sua genialidade musical pelos caminhos da Paraíba e de Pernambuco, onde se tornaram claros e definitivos os rumos da sua vida.

Ninguém é mais genuinamente pernambucano/paraibano do que Capiba. E tinha a quem puxar: já em 1913, seu pai, Severino Barbosa, criou, com os seus filhos Lourenço, Sebastião, Severino, José, João, Pedro e Antonio, a banda de música “Lira da Borborema”, da cidade de Taperoá, na Paraíba. Dois anos depois, foi dirigir a charanga Afonso Campos – a famosa banda Bacurau - na cidade de Campina Grande. Foi em Campina que, com apenas 16 anos, Capiba começou a trabalhar como pianista no Cine Fox: mesmo sem saber tocar piano, aprendeu a tocar 7 valsas em 11 dias e foi contratado. E foi assim que a família Capiba foi se tornando conhecida e admirada pelos campinenses, com o nosso Lourenço se tornando artilheiro do Campinense Clube, já que o futebol era outra de suas habilidades. Em 1924, com 20 anos, foi mandado para João Pessoa, a fim de estudar no colégio Lyceu Paraibano, com ordens paternas para esquecer a música e o futebol. Mais tarde, com licença do pai, tornou-se pianista do Cine Rio Branco e, no mesmo período, ingressou como atacante do América de João Pessoa e fundou a Jazz Independência, onde atuou até 1930, onde fez amizade com Oliver Von Shosten, que financiava as bandas carnavalescas do amigo, tornando inesquecíveis os carnavais pessoenses de 1926 a 1929. Em 1930, passou seu último carnaval em Campina, já que, tendo passado num concurso público do Banco do Brasil, foi nomeado para trabalhar no Recife.

Capiba não foi apenas um grande carnavalesco: Capiba foi, na verdade, um dos maiores compositores da música popular brasileira de todos os tempos. Quem pode jamais esquecer músicas como Maria Bethânia, Recife - cidade lendária, Olinda - cidade-eterna, Cáis do Porto, Serenata Suburbana e uma das suas mais brilhantes criações, A Mesma Rosa Amarela, que a voz de Maysa imortalizou ? E o frevo Gosto de Ver Cantando que ninguém esquece ? E aquele Linda Flor da Madrugada que ficou para sempre ? E quem não se lembra daquela Cantiga do Mundo e do Amor , que fez de parceria com Ariano Suassuna ?

O Brasil continua devendo uma grande homenagem póstuma ao nosso inesquecível e genial Capiba.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O CONTO DO MÊS









ETERNO CARNAVAL


Nunca conseguira entender direito o que realmente acontecera com seu casamento. A Marina era a mulher dos seus sonhos e razões não faltavam para isso: linda como uma boneca, de corpo perfeito, virtuosa, parecia uma santa. Casara-se com a impressão de que ganhara um grande prêmio. Uma mulher ímpar, dona-de-casa completa, mãe-de-família exemplar. Que mais poderia almejar ?
Cinco anos depois, apesar da aparente felicidade, sentia que lhe faltava algo muito importante. Não tinha coragem de comentar com a esposa (tão pura !) nem com os amigos mais chegados, que o julgavam o mais sortudo dos homens, vivendo ao lado de uma mulher tão bela e tão dedicada. Um casalzinho de filhos completavam o quadro. Jorge e Marina formavam, sem dúvida, um par invejável. Ele, um homem decente, honesto, fiel, advogado conhecido e de boas posses; ela, uma mulher de excelentes virtudes, vivendo sempre para o lar, excelsa na sua beleza e na pureza permanente dos seus gestos.

Em conversa com amigos, ouvindo confidências de um e de outro, acabou por descobrir o que estava tornando o seu casamento ensôsso e sem graça: o sexo. Desde a noite de núpcias, Jorge, por conta do respeito com que tratava a esposa, jamais foi além dos limites permitidos pela sua consciência, e Marina, por sua vez, nunca sequer insinuou algo mais ousado na hora de fazer amor. E ficaram os dois, por conta dessa respeitosa relação, na base do papai-e-mamãe, sem mais nada, além de poucos e insignificantes carinhos.

Com seus 30 anos, Jorge até que poderia ser mais vivido, menos tímido e capaz de alterar essa rotina. Mas não era. De tanto se dedicar aos estudos, tivera, antes do casamento, apenas algumas namoradinhas e, com elas, jamais chegara a lugar nenhum em se tratando de sexo, ficando apenas em alguns amassos inconsequentes. Tanto que se casara virgem.

Foi numa reunião de amigos na casa do Reginaldo (justo o colega de profissão que mais atiçara a imaginação, contando-lhe, em detalhes, as transas fabulosas com Amara, sua mulher) que Alfredo descobriu que, sexualmente, era um total imbecil. Com desenvoltura, o Reginaldo ia colocando, no vídeo-cassete, com exibição primorosa num imenso telão, os melhores filmes pornôs da sua coleção, chamando a atenção de todos para os lances mais quentes de cada fita.

- Essa posição aí é a minha preferida ! - dizia o anfitrião, sorvendo uma dose de uísque. Eu e a Amara a testamos sempre com sucesso !

- Aquela da cadeira-do-papai é sensacional ! - acrescentava o Torres, desinibido. Só que a última vez que a fiz, acabei com torcicolo !

Todos sempre tinham algum comentário a fazer, menos o Jorge, que nada fizera em toda a sua vida. Ria quando todos riam, mas estava, na realidade, pasmo com todas aquelas cenas.

Saia dessas reuniões com a certeza que era a falta de tudo aquilo que estava tornando o seu casamento uma chatice. E mais: saia com a imagem da Amara na cabeça, já que a mulher do amigo não se cansava de lançar olhares gulosos em sua direção. Logo ela, a melhor amiga da Marina !

Sem coragem para tentar qualquer coisa além do permitido na hora da transa com sua mulher, Jorge decidiu continuar no de sempre, até que um dia, quase às vésperas do carnaval, ouviu, sem querer, uma conversa de Marina com Amara, onde essa última relatava suas noites de amor com Reginaldo, sem esconder nada, contando tudo, tim-tim por tim-tim.

Como não tinha mesmo coragem de abordar a esposa a respeito do assunto, resolveu tentar algo fora. Por que não ? Todos os seus amigos, de vez em quando, viviam aventuras extraconjugais.

- É preciso variar um pouco lá fora para se conseguir muito em casa ! - repetia sempre o Serginho, o filósofo sexual e o mais safado do grupo.

Depois de pensar muito, tomou a grande decisão: sabendo que o Reginaldo estava viajando para defender uma causa e só retornaria depois do carnaval, telefonou para a casa do amigo e quem atendeu, é claro, foi a Amara.

- Jamais esperei que você, um dia, telefonasse pra mim... - disse ela.

- É.... julguei que estivesse tríste, sem ninguém pra conversar...

- E estou mesmo... chateada. Há cinco dias sem transar. Imagine.

Engoliu sêco, mas conseguiu falar.

- Amanhã tem baile à fantasia.

- Quer ir comigo?

- Claro.

- Com uma condição.

- Qual?

- Irei vestida de odalisca, com uma máscara cobrindo meu rosto. Você me identificará por uma echarpe vermelha envolvendo a cintura. Vamos nos encontrar no baile. De lá, iremos a um motel.

- Combinado.

Quando desligou o telefone, estava em êxtase: ia para um motel com Amara. O Reginaldo que o perdoasse, mas estava até lhe fazendo um favor. A mulher estava sofrendo com a solidão !

No sábado, avisou à esposa sobre o serão que teria de fazer no escritório. Que só voltaria de madrugada. Ela recomendou que não se esquecesse de se alimentar. E ele, sem mais palavras, antes que a consciência falasse mais alto e desistisse de tudo, tratou de cair fora.

No espelho do escritório, experimentou a fantasia do Zorro, seu herói preferido, e sentiu um arrepio só em pensar na Amara vestida de odalisca.

Por volta da meia-noite, o salão já estava repleto de foliões que cantavam e dançavam ao som de uma orquestra de frevos.

- Quanto riso - oh! - quanta alegria....

Seus olhos não demoraram a encontrar, sozinha, num recanto, afastada da multidão, a odalisca, com a echarpe vermelha em volta da cintura.

Os dois se abraçaram e ela o beijou ardentemente.

- Não quero ficar aqui. Quero ir pro motel - sussurrou ao seu ouvido.

- Já deixei tudo pronto. Fica aqui perto. Vamos lá - disse, nervoso.

Logo os dois estavam na suite do motel, num ambiente à meia-luz.

- A máscara... insinuou.

- Não vou tira-la. É pra manter o ar de mistério - segredou.

Inteiramente nua, a odalisca foi retirando, peça por peça, a roupa do Zorro. Sem perder tempo, ela começou a acariciar com gestos suaves, usando as mãos e a língua com excepcional maestria, levando Jorge à loucura. Uma a uma, as cenas dos filmes pornôs foram acontecendo, só que, desta vez, ele era o astro principal. Não havia pausa. Não havia cansaço. Durante várias horas os dois se entregaram ao sexo em todas as suas dimensões, como se nunca tivessem transado em suas vidas. Finalmente, após seguidos orgasmos, desfaleceram sobre a cama, com a respiração ofegante, mas felizes.

- Jamais pensei que o sexo pudesse ser tão bom ! - conseguiu dizer o Jorge. Agora, faça-me um favor. Retire a máscara. Quero ver seu rosto.

- Você fará isso.

Ao retirar a máscara, a surpresa:

- Marina ! - exclamou.

- Eu e a Amara combinamos tudo. Foi para nosso bem.

Sem dizer mais nada, ele e a esposa se abraçaram demoradamente, voltaram aos beijos frenéticos e recomeçaram uma nova transa, indo buscar forças para tanto ninguém sabe onde.

Para os dois, estava começando um eterno carnaval.

Sem mais dúvidas nem tristezas.

Sem máscaras no rosto.

Sem mais nada.