segunda-feira, 4 de julho de 2011

O CONTO DO MÊS - julho 2011



A ÚLTIMA MENSAGEM


Desde o dia em que recebera, do pai, como presente de aniversário, um computador, com todos os seus programas favoritos devidamente instalados, inclusive um modem e a sua tão sonhada linha de acesso à Internet, Marcelo não fazia outra coisa, quando não estava na uni-versidade, senão comunicar-se com o mundo, buscando mais conhecimentos e fazendo novas amizades. Aos vinte e um anos, recém-saido da adolescência, era um jovem inteiramente fascinado pela informática e suas infindáveis possibilidades de percorrer os muitos caminhos da terra sem sair de casa. O doutor Robson, o seu pai, que exercia a medicina com sucesso (era dele uma das clínicas de cardiologia mais conhecidas da cidade), como quase todos os pais da nossa época, queria que o filho ficasse longe das drogas sem que fosse preciso alertá-lo a todo instante sobre o assunto. Notando que o jovem sempre demonstrara interesse por computação, combinou tudo com dona Lenira, a esposa, e foi assim que Marcelo ganhou o seu sonhado micro. Agora, estavam preocupados, pois o jo- vem não se afastava da máquina. Às vezes, tarde da noite, ora entrando pela madrugada, lá estava ele, batendo papo com amigos distantes, através da Internet.
- Tá na hora de dormir, filho - ia até lá e dizia.
- Ora, pai, só mais um pouquinho. O David vai enviar-me um postal da sua cidade, nos Estados Unidos - ponderava o Marcelo, que sempre ficava por mais alguns minutos diante do monitor.
E o pai, que vivia, na sua clínica, inteiramente às voltas com computadores, sentia-se feliz com o interesse do filho pela informática, mas não o queria obcecado por tudo aquilo.
Célia, sua única irmã, dois anos mais nova que ele, sempre estava a chateá-lo:
- Maninho, já te contaram que existe vida lá fora ?
- Já, sim.
- Vamos sair. Hoje é sábado. A Eliana tá vidrada em você. E ela é um xuxuzinho, você não acha ?
- Acho, mas nào é meu tipo. Agora, deixe-me em paz.
- Tá bom. Se prefere ficar aí com suas menininhas imaginárias, tudo bem.
Marcelo gostava de ler e escrever. Tinha suas próprias teorias a respeito das criaturas humanas, com relação ao amor e ao sexo.
- Cada pessoa possui uma concentração diferente de energia, que a torna um ser especial e único, embora seja semelhante, fisicamente, aos demais - dizia, com ar professoral, a Lúcio, um dos seus melhores amigos.
- Concordo quando diz que somos feitos de energia - disse Lúcio.
- E de energia pura, que une as células, que nos movimenta, que nos faz pensar e viver, que nos conduz a todos os sentimentos - continuou.
- É... pode ser - concordou o amigo, reticente.
- Se somos energia, devemos ter, como toda e qualquer fonte energética, nossos polos positivos e negativos - aqueles que nos repelem e que nos atraem.
- Aonde quer chegar ?
- No seguinte: cada um de nós tem seu polo positivo perfeito, a sua outra metade, a sua alma gêmea, como dizem. O verdadeiro amor depende dessa busca. Quando a nossa energia encontra o seu polo perfeitamente positivo, os dois se atraem, misturando as suas forças e nada mais pode separá-las.
- É o tipo da teoria que explica as paixões repentinas...
- Ela explica os grandes amores, que resistem aos desafios do tempo e se perpetuam, em forma de saudade, após a morte.
- Pelo visto, ainda preciso encontrar o meu polo positivo perfeito.
- Pois eu já encontrei o meu, tenho certeza disso.
- Mas... como ? Dificilmente sai de casa... não tem namorada fixa... Como conseguiu encontrar essa pessoa ? Melhor ainda... onde a encontrou ?
Sentado diante do micro, limitou-se a apontar pro monitor ligado, dizendo:
- Aqui.
- Essa, não - debochou o amigo. Não me diga que tá apaixonado por uma imagem virtual ?
- Por uma imagem, não: por uma jovem chamada Rosália, inteligente, criativa, que escreve as palavras que me agradam e que me torna feliz a cada encontro.
- Você tá doido. Prefiro uma mina de carne-e-osso.
- Divirta-se, então. Tenho um novo encontro com a Rosália dentro de dez minutos.
- Pois fique aí. Tchau. - disse o Lúcio, afastando-se e balançando a cabeça negativamente.
Novamente só, no seu quarto, Marcelo ficou à espera do contáto com Rosália. fazia uma semana que eles se conheciam e, a cada encontro pela Internet, mais descobriam afinidades entre si e mais se declara- vam apaixonados. A distância não importava. Ele, no Recife; ela, em Porto Alegre, mas pareciam estar ali, juntinhos, a ponto de se tocarem. Do pai, Marcelo já conseguira a promessa de que, nas férias, iria à capital gaúcha, visitar sua tia Margarida, quando, então, haveria de conhecer pessoalmente a sua musa. E era dessa expectativa que estavam vivendo há dois dias, em permanentes contatos.
- Alô, Marcelo ! Você está aí ?
Ao ver a mensagem na tela, sorriu e foi ao teclado.
- Estou aqui, claro. Tudo bem, Rosália ?
- Só a saudade. Não vejo a hora de falar com você.
- Eu também. Mas logo estaremos juntos. Papai já me deu a passagem.
- Ótimo. Mas hoje, conforme combinamos, vamos nos conhecer melhor. Já preparou a impressora ? Eis a minha foto. Estava na praia.
Quando a foto de Rosália apareceu no vídeo, Marcelo extasiou-se e disse baixinho:
- Além de inteligente, ela é linda... perfeita.
- Agora, trate de mandar sua foto. Trato é trato.
- Não poderia falhar. Pronto.
Houve um espaço de alguns minutos.
- Rosália... você ainda está aí ?
- Lindooooo !
Marcelo era, realmente, um belo rapaz e a foto, tirada à beira da piscina, mostrava-o por inteiro. Sem perder tempo, acertaram tudo para o encontro ao vivo em Porto Alegre. Ela o aguardaria no aeroporto, mas fez questão de não dizer como estaria vestida. Eles teriam que se reconhecer ao primeiro olhar. E assim aconteceu: no saguão de desembarque, seus olhos logo acharam os de Rosália e os dois, ao se verem juntos, deram-se as mãos e, sem dizer uma única palavra, ficaram por alguns minutos a se observarem, até que, num ímpeto, abraçaram-se, felizes.
- Ainda não acredito que esteja aqui - disse Rosália, apertando-o.
Já no carro, os dois não paravam de se admirar, até que a moça conseguiu dizer:
- Vou deixá-lo no hotel. À noite estaremos juntos.
Os dois se beijaram e Marcelo entrou no hotel, ainda sem acreditar no que estava vivendo. À noite, da janela do apartamento, viu quando Rosália estacionou o carro e ficou à sua espera. Tratou de apressar-se. Logo, estavam dançando num barzinho da moda, onde foi apresentado a Rogério, de quem, ao longo da noite, tornou-se amigo. Mais tarde, já de madrugada, voltaram ao carro.
- Quer dirigir ? - perguntou a moça.
- Desde que indique os caminhos, tudo bem - respondeu.
Ao volante, quis saber:
- Para onde vamos ?
- Precisamos de algum tempo a sós. Que tal um motel ?
Se é verdade que algo de estranho ocorre quando as energias positivamente perfeitas se encontram, está explicado porque, de repente, o quarto à meia-luz se envolveu em um brilho intenso e a madrugada, antes cinzenta, vestiu-se de sol, despertando os pássaros antes do tempo. E eles se amaram - mas se amaram tanto - que seus ais mais pareciam música a embalar seus corpos jovens, contorcendo-se em êxtase, como num bailado frenético, todo feito de intensa paixão.
Só o amor consegue deter o tempo e vencer distâncias.
Já de volta à sua terra, após seguidas noites de encontros inesquecíveis, ele estava feliz, como se ainda a tivesse em seus braços. Os contatos voltariam à Internet, a partir daquela noite, quando passariam a aguardar o final do ano, época em que ela viria, de férias, ao Recife.
Ao entrar no seu quarto, tratou de ligar o computador e, para sua surpresa, Rosália entrou em linha, pela primeira vez, no horário matinal.
- Que houve ?
- Quis saber se chegou bem.
- Estou saudoso, mas feliz.
- Quero que saiba que haverei de amá-lo eternamente. Agora e sempre. Nesta vida e além dela. Hoje e até o fim dos tempos.
- As suas palavras denunciam que algo não vai bem. Que aconteceu ?
- Nada que a vida não explique.
- Você virá, realmente, no fim do ano ?
- No fim deste e de todos os anos que fizerem parte da nossa existência, porque jamais, aconteça o que acontecer, estaremos separados. Agora, somos um só.
Marcelo notava algo diferente naquelas mensagens de Rosália. Alguma coisa o deixava aflito. Resolveu insistir.
- Rosália... você ainda está aí ? Querida... Rosália... responda.
De nada adiantava. A tela permanecia parada. Só o cursor piscava, como se imitasse as batidas aceleradas do seu coração.
Conversou com a irmã e com seu amigo Lúcio a respeito.
- O que é que vocês acham de tudo isso ?
- Você mesmo vive afirmando que Rosália é uma mulher bastante inteligente - concluiu Lúcio. Ela, de modo criativo, apenas quis declarar o seu amor.
- Maninho, essa sua Rosália é demais - acrescentou a irmã. Veja só o que ela escreveu aqui: “Quero que saiba que haverei de amá-lo eternamente . Agora e sempre. Nesta vida e além dela. Hoje e até o fim dos tempos”. Qual é a dúvida ?
- Não sei. Algo não vai bem.
No início da tarde, o telefone tocou e Marcelo atendeu.
- Marcelo ?
- É ele mesmo. Quem fala ?
- Aqui é o Rogério.
- Rogério ?
- De Porto Alegre. Fomos apresentados pela Rosália... no barzinho... lembra-se ?
- Claro. Como vai você ?
- Bem. Só que tenho uma péssima notícia para você. Passei a manhã toda tentando descobrir seu telefone. Só agora o encontrei.
- Que notícia é essa ?
- Segure-se, meu irmão. Seja firme. Essas coisas acontecem.
- Diga logo o que houve.
- Ontem à noite, ao voltar da casa de uma amiga, o carro de Rosália bateu... foi de encontro a um caminhão.
- E Rosália ?
- Infelizmente, morreu no local do acidente !
Marcelo empalideceu, perdeu a voz e ficou ali, por alguns minutos, sentindo uma dor tremenda e chorando baixinho.
- Rosália... não pode ser ! Ela hoje se comunicou comigo !
Ao entrar no quarto, havia uma frase no monitor:
- Não chore para não me fazer sofrer. Adeus. Rosália.
Era a última mensagem.


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