segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O CONTO DO MÊS -AGOSTO 2011


                            GOL DE PLACA

    A  mãe entrou de repente  no quarto do  Renato,  que ainda dormia a sono solto,  deu-lhe  uma  palmada na bunda  e foi dizendo:
          - Tá na hora de acordar,  seu  preguiçoso !  Levante logo da cama que o café está na mesa !
          Esfregando os olhos,  sem entender direito o motivo que  levára  dona  Sílvia  a  acorda-lo  tão cedo, foi logo protestando:
        - Eu tô de férias, mãe ! De férias, tá lembrada ?!
        - Estou, sim, mas também não esqueci que tua  prima,  a Tininha,  está  chegando dentro de uma  hora  na  rodoviária.  E  é  você  quem  vai  busca-la ! - acrescentou  a  mãe,  puxando-lhe o cobertor.
        - Por que eu ? Por que não o pai ? - quis saber.
        - Seu pai foi pro escritório, a empregada não veio e só restou você para a tarefa !
        - Essa Tininha só pode ser uma chata de galocha !  Mal chegou e já tá enchendo meu saco !
        - Não fale assim da sua prima.  Pense  na  situação  da  pobrezinha, agora que perdeu o pai. Sua tia Giovana, sem o marido,  ficou reduzida a um salário miserável de professora para sustentar quatro filhos. Fui eu que convidei a Martina a vir  morar conosco - relembrou.
         E concluiu:
       - Levante-se da cama, pegue o carro e vá pra rodoviária. O ônibus deve  estar  chegando  às 10 horas.
        Mesmo a contragosto,  Renato  se  levantou,  tomou  um  banho rápido, sorveu um gole de café, entrou  no  carro  e se mandou.
         Retrato da prima  na mão, já que não a conhecia -  a última vez que a vira  fazia  quase  doze anos e eles nada mais eram que dois pirralhos -, o Renato ali estava, na  rodoviária,  à  espera da Tininha.
         E pensava:
          - Deve ser uma roceira das brabas. A julgar pela cidade de onde vem... Quase não aparece no mapa do Ceará. E ainda vive num sítio.
          - Oi ! - disse uma voz feminina, às suas costas.
           Virou-se rapidamente e ali estava a prima, com uma foto numa das mãos.
          - Pela  foto, você deve ser o Renato.
          - E você a Tininha.
           - Exato.
           - Vim espera-la.
           - Sei.
           - Bem... vamos indo.
           E entraram no carro
          Predispostos a não se tolerarem, Renato e Tininha não se falaram  mais na  volta  à  casa.  A menina da roça não tinha como gostar daquele primo rico, que  vivia  na  cidade  grande,  que jamais lhe escrevera uma carta sequer e com quem nunca tivera  a  menor  intimidade.  O  menino da capital, na imponência dos seus 16 anos, filho único, mimado pelos pais,  que  sempre  vivêra no Rio, por que iria preocupar-se com aquela prima,  que  nunca  vira  mais  gorda,  pois  sempre estivera enterrada num sitiozinho perdido no sertão do Ceará ? Em silêncio, os  dois  arriscavam olhares furtivos,  tentando encontrar, cada um,  no outro, algum traço de simpatia. Como pareciam nada encontrar, seguiam sem dizer palavra.
           Ao descer do automóvel, na garagem do edifício, ajudou a moça a carregar as malas até o apartamento, onde Dona Sílvia, sorridente, recepcionou a sobrinha:
           - Tininha querida, sinta-se como se estivesse em casa. Você, agora, passa  a  ser  a  filha  que eu não tive. Vou leva-la ao seu quarto para que tome um banho. Está empoeirada e cansada. Vamos.
           - Obrigada, tia -  disse, encabulada, a Tininha, sufocada pela timidez que  se  agigantava ante o inusitado de tudo quanto via.
           Da janela do seu quarto, no vigéssimo andar, já tendo tomado banho e estando  apenas de calcinha, deliciava-se em olhar a paisagem do Rio, como se estivesse sonhando, quando  ouviu a voz da tia:
           - Tininha ! Estamos à sua espera. O almoço está servido.
           Vestiu seu melhor vestido e desceu uma pequena  escada  em  direção  à  sala,  onde, em volta de uma mesa farta, lá estavam a tia Sílvia e Renato, e, naturalmente,  seu  marido,  o  Oscar, que se levantou para cumprimenta-la:
           - Você, agora, é nossa filha, meu amor. Venha sentar-se, aqui, ao lado do Renato.
           Procurando não cometer gafes à mesa, Tininha  serviu-se,  sem  deixar  de  observar, com surpresa, todo o luxo daquela cobertura ampla, onde passaria a viver dali pra frente.
           Era domingo. Sendo folga da empregada, o casal estava só e teria que  sair. Havia  um  encontro. Oscar bem que tentou explicar:
           - Nós já haviámos marcado um encontro na casa do Tel, o gerente do  banco...
            - São coisas que acontecem - tentou ajudar, com jeito, a dona Sílvia.  O encontro  foi marcado
muito antes de recebermos a carta da Giovana. Não podemos faltar.  É no banco do Pimentel que Oscar realiza seus negócios. Você entende, não é, Tininha ?  Quer  ir  conosco ?
           Tininha entendeu que a tia  perguntára só por perguntar e respondeu:
           - Não, tia, obrigada. Prefiro ficar em casa. Estou muito cansada.
           - E você, Renato, não vai sair ? - quis saber o pai.
           - Não, pai. Hoje tem jogo na TV. Vasco e Flamengo. Não posso perder.
           - Na hora do jantar, estaremos em casa - despediu-se o Oscar, entrando no elevador, de mãos dadas com a esposa.    
           De repente, os meninos estavam sós. Na ampla sala, Tininha tratou de ficar o mais distante possível do primo e foi sentar-se na  ponta do sofá. Renato, demonstrando não dar  a  mínima pra ela, sentou-se numa poltrona diante do telão e,  de controle remoto na mão,  ligou  a TV.
           - Vai começar mais um grande clássico do campeonato carioca: Vasco e Flamengo.
           Ajeitando-se na poltrona, não  tinha  como Renato  não  ver  as  pernas  da  Tininha, que
uma generosa mini-saia as deixava de fora. E só agora notava: a menina  podia  ser  uma  roceira, mas tinha uma coxas de causar inveja à Carla Perez. E  reparando  bem: depois  do  banho, ficára mais  bonita e - por que não dizer ? - até apetitosa.
          - As duas equipes já  estão no gramado. Vai começar o grande clássico. A  saida pertence ao Flamengo. Bola  rolando. Taí o que você queria !
          - Gosta de futebol ?
          - Gosto.  Sempre assisto aos jogos do Flamengo.
          - Do Flamengo ?!
          - Por que essa cara ?
          - Torço pelo Vasco.
           - Lamento.
            - Bola com Wellinton, que avança  pela  esquerda,  combina  com  Willians  mais  na frente, com toque rápido serve a Thiago Neves, que deixa Anderson  pra trás, toca para Ronaldinho Gaucho,  que invade a área, chuta no canto e... defendeu Fernando Prass !
           - Porra ! Como é que esse goleiro defende um chute como esse ! Assim é foda !
            - An-ran...
            - Desculpe pelo palavrão.
            - Fique à vontade.
            - Olha só o Vasco...
           -  Fagner passa  para Dedé, que serve a Mário Careca. Ganha na corrida com Egídio.  Deixa com Juninho Pernambucano, que dribla Andersonl e estira  para Diego Souza. Sai da  marcação de Fagner e cruza para a área na direção de  Eder Luis, que deixa  Wellinton perdido, procura espaço e chuta. Segura firme Felipe !
           - Isso é que é goleiro !
           - Pura sorte ! O Eder tinha tudo pra fazer o gol !
           - Tininha... venha mais pra perto. Daqui, você vê melhor. Venha.
           - Olha o Flamengo !
           - Venha pra cá... assim.
           - Já tô vendo bem. Vamos lá, David !
        - Agora é a vez de David, que disputa a bola com Rômulo, deixa com  Maldonado, que chega a linha  de  fundo  sem  a marcação de Dedé e cruza para a área. Cabeçada de Eder Luis e mais uma defesa de Fernando !
           - Você é bonita, sabe ?
           - Hein ?
           - Eu disse que você é bonita. Não havia reparado.
            - Você também.
            - Também o que ?
            - É bonito.
            - Fica pertinho de mim.
            - Assim ?
            - Mais perto.
           - Está amadurecendo o gol do Vasco, que está mais presente no ataque. Corner contra
o Flamengo !
            - Suas mãos... elas são lisas como se fossem de veludo.
            - Por viver num sítio, julgou que elas fossem calejadas?
            - É... enganei-me.
            - Gosto do seu jeitão.
            - Você é  perfeita,  sabe ? Seu sorriso... suas pernas...
            - É falta ! É  falta  perigosa contra o Flamengo !
            - É melhor prestar atenção ao jogo, Renato.
            - Prefiro olhar pra você.
            - Seus pais podem voltar.
            - Tá esquecida ? Só voltam às 6 da noite...
            - Pode entrar alguém.
            - A porta só abre se o visitante se comunicar pelo interfone...
            - Minha Nossa Senhora! Mais uma milagrosa defesa de Cremmer !
            - Você não tira os olhos das minhas coxas... Quer vê-las melhor ?  É só  abrir  bem  as  pernas... Que tal ?
            - Agora é o Flamengo que ataca perigosamente  com  Thiago Neves, que  passa  para  Deivid, que lança  para  Ronaldinho Gaucho e... falta ! Falta na entrada da área !
           -  Me dá um beijo...
           - Oh, Renato...
           - Vamos, tire essa saia...
           - Eu sou virgem.
           - Empatamos. Eu tambem sou.
           - É Ronaldinho Gaucho quem vai bater. Fernando orienta a barreira. Prepara-se o Ronaldinho
para efetuar a cobrança !
           - Ah, meu amor, com mais calma...
           - Vamos ficar nús...
           - Assim... vamos tirar todas as roupas...
           - Pode pintar o gol do Flamengo.      
           - Pronto... deite-se aí...
           - Devagar...
           - Prepara-se Ronaldinho. Pode sair uma jogada ensaiada. O baixinho corre para a bola,
chuta direto e... Fernando não vai chegar !
           - Ah, Renato !
           - Tininha !
           - Ahhh !
           - É goooolllll ! É  gol do Flamengo !  Ronaldinho Gaucho abre o placard no Maracanã !
           Quando os pais de Renato voltaram, os meninos estavam quietinhos, sentados  no sofá, como se nada tivesse acontecido. Só que estavam alegres, sorrindo a todo instante, como bons amigos.
            - Ainda bem que vocês se entenderam e fizeram amizade -  disse  dona  Sílvia,  notando a diferença.
          - E é assim que devem continuar: como dois irmãos - reforçou o pai.
             Só estranhou quando o filho não soube dizer o resultado da partida e saiu  da  sala  com
um sorriso abestalhado nos lábios, como se estivesse sonhando.
             No seu quarto, deitado na cama, feliz da vida, dizia consigo mesmo:
              - Eu fiz um gol. Um gol de placa.
              Sem nem se tocar que seu time do coração havia perdido o jogo por 2 a 1, foi dormir como um anjo, já pensando quando entraria em campo para uma próxima partida.   




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