quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A CRÔNICA DO DIA – 30/09/2010


O VOTO DO POVO

No próximo domingo, em todo o Brasil, o povo brasileiro irá às urnas, dando o seu voto aos candidatos que, após longa escolha (ou na base do seja lá o que Deus quiser, como a maioria faz), resolveu entregar aos escolhidos os destinos (e mais do que isso: as verbas públicas) das nossas cidades, dos nossos estados e, mais do que tudo, o destino do nosso país, como um todo. Isso prá não falar da autorização que estará sendo dada a cada um dos deputados estaduais e federais, assim como aos senadores, para que possam legislar em nome do povo, o que só irá acontecer, como a gente bem sabe, nos raros momentos em que não estiverem legislando em causa própria.

Muitas são as reformas que precisam ser feitas em muitas das nossas leis, aparentemente criadas para enganar o povo, beneficiando apenas os que estão ocupando os principais cargos do executivo e do legislativo, mas que acabam, por tabela, por beneficiar, também, o judiciário, fechando o firo em volta da gente.

Os políticos se aproveitam de algumas benesses existentes na lei eleitoral, por exemplo, para eleger aqueles nomes que são do seu interesse e que jamais seriam eleitos se contassem única e exclusivamente com o voto de cada eleitor. Embora algo semelhante ocorra em todo o Brasil, vamos citar, como exemplo, o caso do palhaço Tiririca, lá em São Paulo, que, com suas gracinhas (“Vote em Tiririca, pois pior não fica”), já aparece nas pesquisas como o mais votado, abocanhando mais de 900 mil votos para Deputado Federal. O que vai ocorrer ? Tiririca vai ser eleito, pouco irá fazer na Câmara Federal (lembram-se do Clodovil ?) e, com seus votos, levará consigo mais três aloprados do seu partido ou da sua Coligação, já que a votação em excesso (em São Paulo, acima de 200 mil) será utilizada, conforme determina a lei, em benefício dos candidatos da legenda ou coligados. No caso específico de Tiririca, do PR, lá estarão três beneficiados, todo eles ligados ao famoso Mensalão de triste memória.

Quer dizer: o povo vota num engraçadinho e quem ri por último são os que fizeram a gente chorar de vergonha.

Outra aberração eleitoral: o eleitor não pode ser preso às vésperas da eleição, a não ser em flagrante delito. Agora mesmo, tá na TV: o sujeito, lá no Rio, matou a esposa com seis tiros diante da filha de 10 anos. A menina avisou a polícia. O homem fugiu e não pode ser preso.

É por tudo isso que a gente precisa votar, de acordo com a nossa consciência: o que é melhor para o Brasil... para o futuro da nossa gente ?

Este deve ser o nosso voto.

sábado, 25 de setembro de 2010

CRÔNICA DA SAUDADE - 25/09/10


UMA RÁDIO INESQUECÍVEL

A segunda metade do século XX foi determinante na história do rádio, tornando este veículo de comunicação, dos anos 40 aos anos 60, na mais poderosa força política e social do país, dominando, de maneira categórica e decisiva, durante muito tempo, a opinião pública brasileira.

A Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, foi, por muito tempo – especialmente nos anos 50 – um verdadeiro ícone do meio de comunicação perfeito, chegando com rapidez e interatividade, a milhões de ouvintes espalhados por todo o imenso território brasileiro, criando ídolos e modismos, fomentando idéias e alicerçando dogmas, como ocorre, hoje, com as redes de televisão.

Assim como aprendemos a ouvir as vozes famosas de Heron Domingues (com seu Repórter Esso), de César Ladeira e suas crônicas românticas, de Júlio Lousada (e sua Oração da Ave Maria), de César de Alencar (com seus programas dominicais), de Ary Barroso (com seus calouros na “Hora do Pato”), de Paulo Gracindo e de Carlos Frias, aprendemos, também, a aplaudir os artistas que a emissora costumava divulgar, como Francisco Alves, o Rei da Voz; Orlando Silva, o cantor das multidões (com seu programa semanal, ao meio-dia), Emilinha Borba e Marlene (com seus atuantes fãs-clubes) e tantos outros nomes famosos que a Nacional incluiu no dia-a-dia do nosso povo, de norte a sul do país, através de uma audiência jamais superada.

Como o rádio não conseguiu se organizar em redes, as grandes emissoras, isoladas, foram, aos poucos, perdendo o prestígio que, ao longo dos anos, haviam conquistado em todo o país. Ano após ano, as emissoras do Rio e São Paulo, como a Nacional – principalmente -, a Tupi, a Tamoio, a Record, a Jornal do Brasil e tantos outras,foram desaparecendo de nossas vidas, pois já não eram sintonizadas além dos seus estados.

Mas o nome da Rádio Nacional... dos seus artistas... dos seus locutores... dos seus astros e estrelas famosos... dos seus programas que fizeram época... tudo isso ficou para sempre na lembrança dos que viveram o apogeu da maior emissora de rádio do Brasil.

Tudo isso me vem à lembrança, quando li, num jornal do Rio, logo no início do Governo Lula, que os funcionários da Rádio Nacional lamentavam a decisão da Presidência de desativar a emissora, agora de forma definitiva, e encerrar suas atividades.

Em termos de memória, foi mais uma tragédia nacional.

O Brasil que votou em Lula não merecia mais esta.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

CRÔNICA DA SAUDADE - 16/09/10


MANTOVANI E SUA MÚSICA

Acredito que existam outras pessoas que amaram, como eu, durante toda a vida, a música e a obra do grande maestro Mantovani, assim como é possível que muitos, dentre os quais me incluo, jamais tenham se interessado, nem por um momento, em saber, pelo menos, como era o nome completo daquele homem que trouxera todo o encanto das grandes orquestras – especialmente das orquestras de cordas – para as nossas horas de paz e lazer.

Nascido em Veneza, na Itália, no dia 15 de novembro de 1905, Annunzio Paolo Mantovani era filho de um professor de música de dois conservatórios italianos, que tocou sob a batuta de Massagni e Toscanini e que, por serviços prestados ao governo, foi feito Cavalheiro pelo Rei de Portugal. Quando se encontrava na Inglaterra, em 1912, com uma companhia lírica italiana, teve início a primeira guerra mundial e seu pai, impossibilitado de retornar à pátria, teve que se fixar em Londres com a família, quando Mantovani tinha apenas 7 anos. Mantovani, aos 14 anos, já iniciava os seus estudos de violino e, dois anos mais tarde, já era um músico profissional. Embora seus programas de rádio tenham começado com o seu quinteto, foi com a Típica Orquestra, formada em 1930, que o nome de Mantovani se tornou famoso.

Até os anos 70, eu e muitos outros da minha geração, crescemos, certamente, ouvindo a música de Mantovani, que nos educava o espírito e nos fazia sentir o verdadeiro fascínio da música orquestrada, especialmente aquelas que chegavam aos nossos ouvidos junto com as imagens de um filme que jamais seria esquecido.

Como esquecer os acordes marcantes das músicas que se tornaram famosas em todo o mundo, graças à performance de Mantovani e sua orquestra ? Como esquecer A Lenda da Montanha de Cristal ? E o Tema de Lara, do imortal Dr. Jivago ? E as músicas que marcaram Goldfinger, do 007; toda a imponência de Bem Hur; todo o encanto de Lawrence da Arábia; e as lembranças que ficaram com Zorba, o grego ? Como vamos lembrar o filme Nunca aos Domingos sem a música de Mantovani ? E a trilha inesquecível de Se Meu Apartamento Falasse ? E aquele Moon River que não nos sai da lembrança, tema do filme Bonequinha de Luxo ?

Tudo isso me veio à memória quando resolvi, depois de tantos anos, conhecer mais de perto o maestro que sempre fez parte dos meus sonhos musicais, pois foi sòmente hoje, depois de tanto vibrar com a música de Mantovani, é que fui apresentado ao cidadão Annunzio Paulo Mantovani, que deixou a batuta, desta grande orquestra que é a vida, no dia 29 de março de 1980, quando veio a falecer.

O Mantovani da orquestra... o maestro... o que fez história dando vida às mais belas páginas da música popular universal... este, sem dúvida, vai ficar para a eternidade, recebendo sempre os aplausos do seu grande público.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O CONTO DO MÊS - SETEMBRO


A força da terra

É muito difice, seu doutô, prá quem num sabe o qui é vivê na roça, intendê os mutivo que me fizero fazê o qui fiz. Cumparado com o sinhô, num passo dum pobre matuto,sem eira-nem-beira, qui véve, desna minino, de inxada na mão, iscavacano a terra do majó Netim, pro mode ajudá meu pai a tirá o sustento da gente. Imbora num seja nadinha - um gravêto de pau sêco sôrto no meio do mato -, e o sinhô, pelo qui vêno, é um hôme formado, de ané no dêdo, qui iscreve coisa pro jorná, fico achano qui tarvêis num intenda o qui me levô a fazê essa disconjuntice. Mai cuma tá me pidino, vô contá tudo o qui se deu, désna o dia im que essa pobre gente se arranchou puraqui. Qui diacho vinha fazê aquele povo todo, vindo num se sabe donde, nas terra do majó Netim - nesses cafundós do Juda, longe pra burro, onde o diabo perdeu as ispora ? A gente oiava um pro outro sem atiná coisa cum coisa. Inté qui o majó ajuntô a tropa pro mode dizê o qui tava havêno...

- Todas essas pessoas que invadiram as minhas terras pertencem ao Movimento dos Sem Terra. Elas querem terra para plantar e viver, o que é justo. Mas invadem as propriedades dos outros, avaliando-as como improdutivas, o que é injusto. Sem paciência para esperar uma negociação entre o Governo e os proprietários, visando a desapropriação da área, tomam-na para si, subvertendo as leis que garantem a posse da gleba, afrontando, assim, a justiça, como o fazem aqui e agora. Todos vocês, que sempre viveram nesta terra e daqui tiraram o dinheiro para o sustento das suas famílias, serão, sem dúvida, os maiores prejudicados. A terra invadida, que logo seria utilizada para pastagem do gado, aumentando o ganho de vocês, em pouco tempo não pertencerá mais à fazenda. É o que pretendo evitar. O MST armou os invasores. Nós também estamos armados. A terra é nossa. Legalmente, ela nos pertence. Não podemos deixar de lutar por ela. Para evitar o confronto armado, vamos enviar um grupo de homens ao local para conversar com os sem-terra e convencê-los a desistirem da invasão. Se eles resistirem, teremos que expulsá-los. Por bem ou por mal. O Chico Cirineu, que é meu homem de confiança, já escolheu o grupo que vai até lá. Espero que os convença, sem briga, a sairem das nossas terras. Boa sorte.

Daquele conversóro todo do Majó Netim, só intendi uma coisa: ele quiria que nóis butasse os cabra pra corrê das suas terra. Sem pudê dizê nada, arrecebi, do Chico Cirineu, um fuzi e uma caixa de bala, e cumeçemo a andá - eu e mai uns quinze - pra donde tinha se dado o rôlo. Machano pra lá, que ficava coisa de quage dez légua, foi qui pude pensá na vida que vinha levano e nas coisa que tava se assucedêno. Cuma já dixe, vosmicê, qui é doutô, qui sabe lê e iscrevê e qui véve na cidade, pode inté sabê um bucado de coisa qui nóis num sabe, mai deve de tá cum um fuzuê na cabeça pro mode intendê o qui se passô puraqui. Pro sinhô pudê atiná cum o qui se deu, tem qui sê do jeito qui a gente é. Num pode pensá cuma doutô. Tem qui sê cuma nóis. Num é só o jeito de falá qui é deferente. O jeito de vivê, tombem. O jeito de intendê as coisa e de gostá da terra. Desna qui naci, conto nos nos dedo as vez im qui tive qui i na cidade. É qui nóis num percisava daquilo lá. Tudo o qui a gente quiria, tava aqui. A casinha... a terra pro mode prantá... os carinho da muié... o amô dos fio... e o dinheirim suado qui o majó paga por sumana pro mode cumprá pano e comida. Nóis num tinha do qui arrecramá. Desna o avô... desna o pai... a vida era isso... sem tirá nem pô. Inté o dia im qui a gente chegô lá, no Pontá das Ema, pro mode cunversá cum os sem-terra. Chico Cirineu butô bala no gatilho e dixe pra todo mundo qui tava lá:

- O Majó João Neto, dono das terra, não quer ninguém aqui. Mandou dar inté amanhã, ao meio-dia, para que saiam da sua propriedade. Se não sair por bem, vão ter que sair na bala. Vamos ficar por aqui e esperar. Quem não sair... morre !

Teno ficado de guarda numa grota, donde pudia oiá o qui se passava naquele amuntua- do de casinha de lona, pude ajeitá as idéia na cabeça. Aquela gente qui tava ali pudia sê tudo, meno cabra de pêia qui véve increncando. Os hôme tumava conta das muié, qui tumava conta dos bruguélo, qui ficava pro lá brincano, cuma quarqué minino ou minina qui tem puraí. O qui a gente via era um bucado de famia percurano um lugá pro mode ficá. As muié cuidava da janta, lavava os pratos, varria o chão, dava banho nos fio. Os hôme, de inxada na mão, iscavacava a terra e prantava. Num era bandido, não. Era roceiro qui nem eu. Só qui tava na terra qui num era dele, fazeno tudo aquilo sem pidi licença ao doutô Netim. A desorde era essa. Só essa. E purisso pudia inté morrê. Assunte bem o qui tô dizêno, seu doutô: se aquela gente qui tava ali fosse qui nem eu, qui cuidô da terra a vida intêra cuma se fosse o dono, ganhano, toda sumana, o dinheirim pro mode sustentá a famia, juro pur Nosso Sinhô qui eles num tavam ali quereno tumá as terra dos outro. Sem tê pra donde i, sem tê cuma cuidá da muié e dos fio, sem tê um tiquinho de terra qui seja pro mode prantá, o qui diacho pode fazê um pai de famia, a não ser perdê a cabeça e sai puraí tumano um pôco de terra de quem tem dimai ? Foi cum essas idéia na cabe- beça, seu doutô, qui arresorvi falá cum os hôme qui tava lá nas barraca, cum o fito de num deixá qui se desse morte pur conta daquela desavença. Se inté o meio-dia a coisa ficasse do jeito qui tava, o sinhô pode acriditá qui o Chico Cirineu - hôme brabo e cumpridô das orde do Majó -, ia butá aquele povo pra corrê dibaxo de bala. Atinei qui percisava fazê arguma coisa pro mode num deixá que se desse uma sangueira por causa dessa ingrisia. Sem pensá im mais nada, fui me achegano duma barraca e dixe bom dia prum hôme magro, arto, qui tava cum um minino no braço. Assim qui me viu, foi dizêno:

- Bom dia, moço. Acho mió qui vorte pro lugá adonde tava.

- Só tô quereno proseá um pôco... - dixe, com jeito.

- Nóis num tem o que proseá. Tu veio pro mode tirá a gente daqui.

- Tô tentano atiná pur qui diacho tão quereno tumá as terra do Majó Netim.

- Tá bom. Se arranche, entonce. Pegue um tamborete e se assente qui eu vô contá o qui é qui nóis veio fazê aqui.

E foi assim, seu doutô, qui o hôme - qui se dizia Zé Inaço - cumeçô a contá cuma foi qui tudo se deu, pra qui toda aquela gente arresorvesse tumá conta das terra do Pontá das Ema.

- Cuma é mermo teu nome ?

- Tonho... Tonho Lima... cunhecido cuma Liminha...

- Apois, seu Tonho, o sinhô se dê pur filiz im um lugá adonde ficá cum sua famia. Nóis num tem lugá argum. A gente véve cuma uns disgarrado, sem pra donde i nem adonde ficá. A gente tem força, tem mão, tem pé, tem cabeça pro mode pensá, mais num tem a coisa mió qui um hôme deve de tê, qui é um pedaço de terra, pro mode fazê sua casa e prantá, tirano, dali, o sustento da famia. De nada dianta tê mão, se a gente num tem um pôco de terra pro mode trabaiá; de nada dianta tê pé, se a gente num tem pra donde i; de nada dianta vivê, se gente num tem cuma criá a muié e os fio.

- Mai a terra é do Majó Netim...

- Nosso Sinhô, quano fez o mundo, num deu terra pra hôme ninhum. Foi a força do poder ou do dinhêro qui deu muita terra pra uns e deixô os ôtro sem nada. A gente deve de mudá o qui tá errado. Todo hôme tem qui lutá pur seu chão. Se a lei é contra isso, nóis tem qui mudá a lei.

- Tu pode inté tá certo, Zé Inaço - pode inté qui as terra deva de sê de toda gente -, mai num é desse jeito qui o mundo é. A terra do majó é do majó. Vale o qui no papé. É terra qui o majó herdô do seu pai, qui herdô do avô, que num sai da famia. Se tu e os ôtro num saí da terra inté o meio-dia, o Chico Cirineu vai fazê cumpri as orde do Majó, vai mandá bala e matá o cabra qui ficá aqui.

- Qui mate ! Qui é qui a gente tem mai a perdê, tirante a vida ? Pode morrê um... dois... inté mais... o qui se pode fazê ? Se a morte de dez quisé dizê qui vinte ficaro cum sua terra, tá tudo bom.

- Qué dizê qui tu nem os ôtro vai arredá o pé...

- Só se fô morto...

Do jeito qui a coisa tava, seu doutô, vosmicê tá vêno qui eu num tinha outra coisa a fazê, a não sê fazê o qui fiz. Quano o só im brasa ficô im riba da cabeça da gente, bem no cocuruto do céu, o Chico Cirineu oiou pro relójo, fez siná pros hôme pro mode cercá as barraca e, de fuzi na mão, apontano pro Zé Inaço, foi logo dizêno:

- Já é meio-dia. Todo mundo tem qui sai daqui. É orde do Majó Netim, o dono das terra. Se num sai, tu vai sê o premêro a levá bala, seu cabra safado !

O doutô percisava vê a agunia da muié do Zé Inaço, chorano agarrada aos fio, e a corage daquele hôme, desaimado, sem nada fazê, esperano o disparo. Nem sei o qui diacho me levô a fazê isso, mai quano dei pur mim já tava de fuzi apontado pra cabeça do Chico Cirineu.

- Sai do meio, Liminha, qui eu vou metê bala nesse sujeito !

- Pro mode atirá nele, Chico, tu vai tê premêro qui atirá neu, e tu, qui cunhece bem a minha puntaria, sabe qui pode morrê im meu lugá !

- Tu ficô doido, hôme ? É orde do Majó Netim ! Se num sai daí, eu atiro im tu ! Sai da frente, Liminha !

- Vorte pro mode dizê ao majó qui eu tô quereno falá cum ele.

- Se num sai do meio agorinha mêrmo, eu atiro !

- Num tente.

- Lá vai bala, Liminha ! Foi tu qui pidiu !

E foi desse jeito, seu doutô, qui tudo se deu. Cum um tiro no meio da testa, o Chico Cirineu se derriô pelo chão, se estribuchô pur um tempo e, adispois, ficô lá, istendido, já sem vida. Um dos hôme foi inté à fazenda e contô tudo ao Majó Netim, qui mandô me chamá. O qui se passô adispois, o sinhô já tá sabêno. O Majó uviu o qui eu tinha pro mode dizê e, tendo ao seu lado um diputado seu amigo - hôme muito forte lá pras banda da capitá federá -, arresorveu arranjá umas terrinha praquela gente. É purisso qui mandô o avião pro mode buscá o sinhô. Inté os lecutô da televisão ele mandô qui viesse. É pra dizê qui arresorveu dá de mão beijada o Pontá das Ema a quage cem famia do povo do Zé Inaço. E vai sê tudo de papé passado. E o Majó Netim nada pidiu im troca. Eita, hôme bom da peste, seu doutô ! Só uma coisinha a gente vai dá pra ele. E é justo inté dimai. Na ôtra inleição - ele já dixe - vai sê candidato a Senadô. Tinha inté graça. A gente vai tudim votá nele. Nóis vai votá pro mode fazê cum qui todo mundo passe a tê a sua terrinha. O qui é qui o sinhô acha, doutô ?

- A minha reportagem acaba aqui. Já ouvi o que tinha de ouvir.

- E o Majó Netim ? Num vai falá cum ele ?

- Fica pra outra hora. O heroi dessa história é você.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

CRÔNICA DA SAUDADE - 10/09/10

HISTÓRIAS DE CINEMA

Foi com Fernando Spencer, lá em Recife, que aprendi – não só pelos seus comentários abalisados no Diário de Pernambuco, mas – e principalmente – pela importância do seu acervo particular, existente na sua residência – a gostar, a admirar e, mais do que isso, a dar o devido valor à história da sétima arte.

Se dependesse de Fernando, todos os antigos cinemas do Recife ainda estariam em funcionamento e, em caso de fechamento, seus edifícios teriam de abrigar, necessariamente, instituições culturais ligadas à história cinematográfica, onde as pessoas poderiam ter acesso a um verdadeiro museu.

Na verdade, os cinemas de cada cidade fazem parte da própria história cultural das populações, que sempre viveram atreladas ao seu principal divertimento ao longo de tantos anos – até mesmo agora, em pleno século XXI, quando a TV a cabo e via satélite, além dos DVDs, trazem o cinema para dentro de nossas casas -, o cinema continua sendo uma grande atração, inclusive para as novas gerações que não deixam de freqüentar, na segurança dos shoppings, as diversas salas de projeção.

Qual o sessentão, vivido em João Pessoa, que não relembra com saudade as animadas matinais do Plaza nos anos felizes da sua infância ? E nos anos dourados da juventude, como esquecer as matinées badaladas do Cine Brasil, onde todos se reuniam, não só para assistir aos filmes, mas para namorar ? E as sessões calientes do Rex e do Municipal, onde os filmes mais comentados eram exibidos em noite de gala ? Isso prá não falar dos cinemas de bairro, como o Jaguaribe e o Metrópole, que só exibiam reprises ?

Desses cinemas citados, apenas o Municipal continua firme, mantendo, mesmo com pouca platéia, a sua programação de longa-metragens.

Todos se recordam, sem dúvida, de alguma passagem de sua vida ligada ao escurinho de um cinema, a um filme que jamais foi esquecido, a momentos felizes que ficaram para sempre em nossas existências, como num filme épico, mostrando tudo quanto de bom foi vivido.

Das manhãs felizes da infância, sorrindo e vibrando com as aventuras dos heróis mascarados na tela do Plaza, passando pelos vesperais das moças do Cine Brasil e, mais adiante, já na idade adulta, presente aos lançamentos de luxo nos salões requintados do Rex e do Municipal, lá se vão acontecimentos que marcaram uma vida inteira e que jamais serão esquecidos.

Atenção. Apaguem as luzes. Liguem os projetores. Vai começar mais uma sessão de cinema. Em cartaz, o grande filme das nossas vidas !

Oremos a Deus para que tenha um final feliz.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

CRÔNICA DA SAUDADE - setembro


REVENDO O PASSADO

Você pode escrever a história de uma cidade, fazer uso de todo o seu poder de descrição para que tudo chegue ao conhecimento dos seus leitores nos mínimos detalhes – pode, afinal, colocar, em cada frase, tudo aquilo o que vê em sua volta -, mas mesmo assim, com esse cuidado e sensibilidade, será difícil, senão impossível, fazer com que as pessoas consigam ver o que foi descrito, sem que haja, junto ao texto, fotos ou ilustrações.

È por isso que dizem – principalmente quando se está diante de uma belíssima foto – que, na maioria das vezes, uma imagem vale mais que mil palavras.

Sou do tempo dos velhos sobrados da rua Duque de Caxias, onde, em um deles, funcionava o Foto Stuckert, um dos pioneiros em fotografia da nossa capital. Poderia falar também do Foto Estrela. Do Foto Hudson. De tantos outros que surgiram no centro, na época, todos comandados por grandes profissionais da fotografia. Só que o Foto Stuckert me fala mais desse tempo, pois era no primeiro andar do velho sobrado, onde morei por mais de um ano, tendo vindo de Campina para cá, enquanto estudava no Lyceu.

Foi com Gilberto Stuckert – casado com a minha tia Zilete – que aprendi a valorizar o simples gesto de acionar uma máquina fotográfica para guardar, numa foto, uma paisagem qualquer da cidade. Ele dizia que, à cada fotografia tirada, o passado de João Pessoa ia ganhando mais um arquivo, para que, no futuro, as gerações de então pudessem conhecer a cidade de um tempo que já não existia mais. O pai de Gilberto, “seu” Eduardo – que era, na verdade, o pintor, desenhista e fotógrafo sueco Eduardo Francis Rodolf Deglon Stuckert – foi quem primeiro captou as imagens da capital, de 1900 a 1940, sendo seguido, pelo filho, de 1930 a 1970 – existindo, hoje, juntando-se aos dois alguns outros fotógrafos do período, mais de mil fotografias da cidade de João Pessoa e de algumas personalidades que fizeram a sua história.

“Seu” Eduardo faleceu na década de 40, mas passou, para o filho, Gilberto, os negócios de fotografia, que continuaram até o seu falecimento no dia 20 de outubro de 1986, quando passou todo o seu acervo para Gilberto Stuckert Filho, que publicou um livro com esses registros que remontam ao ano de 1870.

As fotos, por si só, falam da evolução da cidade, mostrando os mais diversos meios-de-transporte – que vai do velho bonde de tração animal aos bondes elétricos, das marinetes aos ônibus modernos -, assim como as mudanças arquitetônicas e os novos e modernos caminhos criados ao longo do tempo.

Vendo as fotos, a gente revive o passado de João Pessoa. E – por que não dizer ? - o nosso próprio passado.

O pessoense já bem vivido, ao ler o livro, vêr-se-á em cada uma de suas fotografias.