ETERNA SERENATA
As pessoas constroem as suas vidas como quem faz uma colcha-de-retalhos: vai juntando, uma à uma, com o passar do tempo, as lembranças que ficaram no passado – felizes ou infelizes, pouco importa – mas que marcaram, quando vividas, as nossas existências. Pretenciosos por excelência, os seres humanos preferem recordar apenas, é claro, os instantes que se eternizaram no âmago das mais intensas emoções e da mais completa felicidade. Os acontecimentos tristes, que ficaram para sempre sob a sombra de uma amargura, são lembrados, às vezes, por força das sutilezas do sub-consciente, mas jamais são recordados por nossa livre e expontânea vontade.
São assim as criaturas humanas, que preferem sempre recordar os momentos felizes já vividos, como faço agora, buscando ser feliz outra vez.
No início dos anos 60, quando estive à frente dos Diários Associados, em Pernambuco, estava eu em minha sala, na Rádio Clube, quando o locutor Ziul Matos – que apresentava, diariamente, na emissora, uma das minhas produções, o programa Noite de Saudade – pediu licença, entrou e me apresentou a um oficial da nossa Marinha. Com tranqüilidade, Ziul me explicou que o porta-aviões Minas Gerais – na época, a mais bela e imponente nave da nossa Marinha de Guerra – estava no Recife, realizando exercícios, e que ficaria, em nosso mar, até depois do período carnavalesco. O oficial, à minha frente, era o comandante do navio e a razão da sua visita era estudar a possibilidade de que, para distrair a marujada, o Noite de Saudade pudesse ser transmitido diretamente do convés do porta-aviões. Topamos a parada.
Por coincidência, o maior seresteiro de todos os tempos – Silvio Caldas – estava realizando apresentações na cidade. Conversado, Sílvio aceitou o convite. E lá fomos, todos nós, de helicóptero – locutores, cantores, músicos, técnicos, etc – direto para o local onde estava fundeado o Minas Gerais. E a serenata, a partir das 10 da noite, foi iniciada no porta-aviões, com os marujos sentados ao longo do convés, atentos ao show, e com uma lua cheia iluminando o espaço, para se espalhar, depois, pelo mar imenso.
Esta serenata, pelo inusitado do palco, marcou a história do programa e da própria Rádio Clube, tendo repercutido intensamente na cidade.
Passado tanto tempo, sessenta anos depois, ainda continuam ressoando dentro de mim os acordes inesquecíveis do violão e a voz incomparável do velho Sílvio, interpretando, com alma e sentimento, o seu eterno Chão de Estrelas música que ainda hoje desperta-me todas essas lembranças.
Eis uma serenata que ficou eternizada na memória de todos os que dela participaram. Dentro de nós, para sempre... o navio... o mar azul... a lua cheia... a emoção da marujada e a voz do seresteiro.
http://www.youtube.com/watch?v=wvSsOpA7jm4
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