quarta-feira, 14 de setembro de 2011

CRÔNICA DA SAUDADE- 17/09/2011



PAIXÕES MUSICAIS


                                        As pessoas que gostam da boa musica popular, que admiram seus astros e estrelas, que acompanham o dia-a-dia dos grandes intérpretes da MPB – dentre os quais me incluo, mais por força da profissão do que por mera sensibilidade artística -, não podem, no decorrer deste domingo, 17 de setembro, que assinala a passagem do décimo quarto aniversário da morte de Herivelto Martins, um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos, deixar de lembrar o grande e inesquecível amor de sua vida, que foi Dalva de Oliveira, uma das mais notáveis cantoras do nosso país.

                                              Herivelto de Oliveira Martins nasceu, no antigo distrito de Rodeio, no Rio de Janeiro, no dia 30 de janeiro de 1912, tendo recebido, desde a mais tenra idade, por parte do pai, o agente ferroviário Felix Bueno Martins, que era apaixonado pelo teatro, toda a força necessária para que pudesse despertar o seu amor pelas artes cênicas. Com apenas três anos, o pequeno Herivelto já se apresentava nos espetáculos promovidos pelo pai, declamando poesias. Aos 18 anos, já estava na luta, no Rio, trabalhando como barbeiro, até que, através do compositor Príncipe Pretinho, surgiram oportunidades para gravar as suas primeiras composições, mas foi somente em 1935 – um ano básico em sua vida, pois foi quando conheceu e passou a namorar  Dalva de Oliveira – que ele gravou várias musicas de sua autoria na Odeon, nas vozes de Sílvio Caldas, Alzirinha Camargo, Carmen Miranda e Aracy de Almeida. Já integrando o famoso Trio de Ouro, conheceu o seu primeiro grande sucesso – o samba Praça Onze. A partir daí, outras musicas conquistaram o público brasileiro, como o samba-canção Ave Maria no Morro, os sambas Nossa Separação, Mangueira não, Que Rei Sou Eu (com Francisco Alves), Isaura, Rei Sem Coroa, Edredon vermelho (com  Isaura Garcia), Segredo (na voz de Dalva de Oliveira), Caminhemos (com Francisco Alves), Redoma de Vidro, A Camisola do Dia, Francisco Alves, Carlos Gardel, Hoje Quem Paga Sou Eu , Pensando em Ti, Enfermeira, Atiraste uma Pedra (todas com Nelson Gonçalves) e Negro telefone (com o Trio de Ouro), cada uma delas contando historias das várias fases da sua vida.

                                              Foi a partir de 1936, quando passou a viver com Dalva de Oliveira, que a sua existência tomou um novo rumo, já que no ano seguinte, nasceu o seu filho Pery – o futuro cantor Pery Ribeiro.  Em 1939, casou-se oficialmente com Dalva, nascendo então o outro filho do casal, Ubiratan. Foi deste romance, que todos os fãs de ambos não esquecem, que surgiram algumas das mais famosas composições de Herivelto e algumas das mias inspiradas interpretações de Dalva de Oliveira. Da separação, ocorrida oficialmente em 1949, surgiu uma intensa briga musical, dentro da qual Herivelto apareceu com várias composições, inclusive o famoso e inesquecível Cabelos Brancos.

                                              Depois de se separar de Dalva, Herivelto nunca mais lhe dirigiu a palavra, mesmo sabendo que, sua segunda esposa, Lourdes, fez amizade com ela.

                                              No dia 17 de setembro de 1992, no Rio, Herivelto Martins se despediu da vida, deixando gravada, em suas músicas, a história do seu grande amor.   

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

CRÔNICA DA SAUDADE - setembro/2011




                       ETERNA RAINHA

                                       Tendo nascido no Rio de Janeiro, no dia 31 de agosto de 1922, na rua Visconde de Niterói, na Vila Savana do bairro da Mangueira, onde viveu parte da sua infância, Emilia Savana da Silva Borba era uma garota alegre, saltitante, que gostava de cantar e imitar as grandes cantoras do rádio, como Carmen Miranda, de quem era fã. Foi assim, já brincando com o sucesso, que a nossa Emilinha, aos 14 anos, ganhava o primeiro prêmio no programa Hora Juvenil, na Rádio Cruzeiro do Sul, sendo destaque, logo em seguida, no famoso Calouros de Ary Barroso, onde obteve a nota máxima, ao interpretar o X do Problema, de Noel Rosa. Contratada pela Rádio Mayrink Veiga, recebeu, de César Ladeira, o slogan Garota Nota Dez, tendo gravado, em 1939, pela Columbia, sua primeira participação em disco, com a marchinha Pirulito, de João de Barro, em dupla com Nilton Paz. Em seguida, gravou seu primeiro disco-solo, Faça o Mesmo, samba-choro de Nássara e Frazão.

                                      Emilinha Borba, por sua meteórica carreira musical, parecia fadada a ser uma das mais consagradas cantoras brasileiras de todos os tempos. A partir de 1940, ela passou a conviver com o sucesso, tornando-se conhecida em todo o país. Tendo assinado contrato com a gravadora Odeon, lançou os sambas Quem Parte Leva Saudades, de Scarambone, e Levanta José, de Haroldo Lobo, passando a ser ouvida e aplaudida em todo o Brasil. Foi a partir de 1942, no entanto, contratada pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro e já considerada a sua Estrela Maior, que Emilinha se transformou numa das cantoras mais populares e queridas do nosso país, permanecendo naquela emissora por quase vinte anos.

                                     A partir daí, com participação garantida em alguns dos mais consagrados filmes do cinema nacional, Emilinha gravou sucessos memoráveis, como Tristezas Não pagam Dívidas, de José Carlos Burle; Escandalosa, rumba de Moacir Silva;  Rumba de Jacarepaguá, de Haroldo Barbosa; Se Queres Saber, de Peterpan; Chiquita Bacana, marcha de João de Barro; Tem marujo No Samba, também de João de Barro, com a Orquestra Tabajara do nosso Severino Araújo; os baiões Paraíba e Baião de Dois, da dupla Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira;  a marchinha Tomara Que Chova, de Paquito: o bolero Vaya com Dios, de Russel; Noite de Chuva, bolero de Peterpan; o samba Os Quindins de Iaiá, de Ary Barroso; Insensato Coração, samba de Antonio Maria; Noites de Junho, de João de Barro; Cachito, cha-cha-cha de Velásquez; Dez Anos, bolero de Rafael Hernandez; Juntinhos é Melhor, de Fernando Costa; Benzinho e Vem Comigo Dançar,  de Rossini Pinto.

                                   Eleita Rainha do Rádio, através dos votos dos seus milhares de fãs, e Rainha do Quarto Centenário do Rio de Janeiro, em 1965, Emilinha gravou, desde 1939, centenas de discos, tornando-se uma das cantoras de maior expressão nacional de todos os tempos, tendo participado de dezenas de filmes brasileiros.

                                     Foi no dia 03 de outubro de 2005 que Emilinha, aos 82 anos, abandonou o nosso convívio, deixando, no coração de milhões de brasileiros, muitas musicas que se transformaram em sucessos populares e que a sua voz eternizou. 



quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O CONTO DO MÊS - SETEMBRO 2011

               
               

                                                 O DIABO QUE 
                        VIROU SANTO


                 Sua vida estava por um fio naquela  pequena  cidade.
                             De tanto se meter  em  confusão, o Zé Maria não tinha outra alternativa, senão se mandar dali sem pestanejar, deixando de vez o vilarêjo onde nascêra, onde se tornara um menino vadio e traquinas, um adolescente terrível  e, finalmente, um  adulto  verdadeiramente insuportável, infernizan-do a vida de todos os habitantes  de  Pau  Ferro. 
                            Enquanto a localidade nada mais era do que uma concentração de pequenos sítios, algumas  casas em volta da bodega  de seu Adelino e da igrejinha de São José, bem que dava  pra suportar as  brincadeiras, nem sempre inocentes, do Zé  Maria - o Zé do Biu -, como todo  mundo  o  conhecia, devido ao apelido do pai, que era dono de  um  sitiozinho, onde  plantava  mandioca  e  criava  galinhas. Menino  ainda,  já  demonstrava  o que queria ser na vida: um malandro de  marca  maior.  Nunca  batêra um prego numa  barra  de  sabão. O  Biu  e  a  Das Dores,  sua  mulher,  tudo  fizeram  para  bota-lo  no bom caminho. Chegaram até a matricula-lo no Grupo Escolar de uma cidade  próxima, distan-te uns oito quilômetros de Pau Ferro. Mas  ele  nunca  assistiu  à  uma  aula  sequer.  Dizia que  ia,  subia na garupa do  jumento, mas se escondia pelo caminho, preferindo  roubar  manga,  jaca, laranja  e  até  galinha  dos  sítios  da  vizinhança.  Ao  chegar  em  casa, contava  um  monte de mentira pros pais que, no começo, até que acreditavam no semvergonha, mas na medida em que  foram   descobrindo  as  safadezas do  filho,  trocaram  os  gestos  de  carinho  por  surras  bem aplicadas. Só  que  não  tinha  mais  jeito:  todo  santo dia  chegava  alguém  reclamando  do  Zé  Maria.  Na  exata  proporção em  que  crescia  e se tornava adulto, os problemas  do  Zé iam crescendo também e se tornavam mais sérios. Eram  pais de ex-donzelas, que  sempre  prometiam matar o desgraçado que  havia  infelicitado as suas  filhas; eram  maridos  traidos, que estavam à cata do safado  para  capá-lo;  eram comerciantes que  haviam confiado  na  lábia  do  terrível  mentiroso, vendendo-lhe isso e aquilo, e jamais recebendo, por conta, um tostão  que  fosse; eram,  enfim, dezenas de pessoas  que,  por  esse  ou  por  aquele  motivo, precisavam  acertar  contas  com  o malandro. 
                             Quando  Pau Ferro  virou  cidade,  emancipando-se políticamente, a população achou que chegára a hora de dar um basta naquilo tudo.                                                                                                                                                                                      
                            O Zé do Biu ia ver o que era bom pra tosse.                                                                                                   
                             E foi assim que as principais lideranças do novo município (dentre as  quais,  muitos maridos chifrudos) se reuniram na sala do prefeito (cuja mulher tinha sido  uma  das  vítimas do Zé), com um único objetivo: procurar prender e, se possível, expulsar da cidade tão  perigoso elemento.
                          - Se eu botar as mãos no safado, eu acabo com ele ! - advertiu o Souza da Vacaria, que perdêra a virgindade da sua filha mais nova pro miserável do Zé.
                         - Vamos com calma - pediu  o  sargento  Luizão,  delegado  recém-nomeado. Vocês têm que me ajudar a colocar o safado na cadeia. A justiça dará a sentença.
                         - De minha parte, tô de acordo - disse, baixinho, o coronel  Lima, fazendeiro da  região, que achara as calças e os sapatos do Zé no seu quarto de dormir, ao retornar  de  uma  viagem. E concluiu, mais baixinho ainda, rangendo os dentes: Não foi sem razão que apelidei  a  minha doze de Justiça !
                        - Vamos organizar uma volante e sair atrás do cabra ! - decidiu o  prefeito  Apolinário, alisando a testa, como quem procurava os chifres.
                         Naquela mesma noite, avisado pela  esposa de  uma das  autoridades  presentes  à reunião, Zé Maria deixou o casebre onde se encondera dentro do mato, roubou um cavalo no sítio mais próximo e tratou de cair fora. Já distante de Pau Ferro, resolveu  tentar a  estrada  principal e pegou carona num caminhão que seguia pro interior de Minas.
                        - Vou pra uma cidadezinha chamada Belém - disse o motorista.
                        - Só pode ser milagre. É pra lá que estou  indo - afirmou o Zé, fingindo espanto, de mãos postas, como que agradecendo aos céus.
                        - Deve ser um romeiro, com certeza.
                        - Por que diz isso ?
                        - A cidade vive  de milagres - explicou o motorista.Todo dia chega gente por lá pra visitar a capela da virgem, a igreja do Menino, a cova do Padre Ernesto e outras coisas desse tipo. Com essa barba e esse cabelo comprido,  você tem tudo para ser um  romeiro  ou  um  santo. Acertei ?
                       - É... sim, acertou.
                       - Acertei, como ?
                       - Sou um santo.
                       - Tá brincando...
                       - Claro que não.
                       - Como é seu nome ?
                       - Jesús.                                              
                         Pensando tratar-se de uma piada, o motorista riu até  não  querer  mais, enquanto o Zé, com um brilho estranho nos olhos, começava a planejar tudo o que iria fazer naquela cidade tão santa.
                       Viajaram durante todo o dia e, apesar da insistência do motorista, que sempre  parava nos barracos na beira da estrada para se alimentar, o Zé não comeu absolutamente nada.
                      - Jesús...  Coma alguma coisa. Eu pago.
                      - Não quero.
                      - Não se alimenta ?
                      - Deus é meu alimento.     
                      Fazendo das tripas, coração, Zé Maria dava início ao seu plano.
                      Chegaram à Belém por volta das dez horas da noite e muitas pessoas  se  aglomeravam na casa vizinha à pensão onde o motorista se hospedava.
                      - Seu Valdemar... aconteceu  uma  tragédia - disse  uma  mulher,  aflita, dirigindo-se  ao  motorista.       
                     - O que houve, dona Mercês ?
                     - O Jorge do mercadinho... tá morrendo. Doutor Nereu já desenganou  o coitado e o padre Serafim tá dando a extremunção. Foi de repente.
                     - Quero ir até lá - disse Zé.
                     - Esse é  Jesús,  dona  Mercês. Ele quer ir até lá.
                     Dona Mercês olhou para o visitante,  observou  seus  olhos azuis,  seus  cabelos  castanhos caidos sobre os ombros, seu  rosto delgado, a barba a emoldurar os lábios carnudos, e disse, quase em transe:
                    - Jesús... venha comigo.
                    Ao entrar na casa, a energia  elétrica, que  havia  faltado, chegou,  acendendo  as luzes, como a iluminar a entrada do Zé Maria.
                   - Quero ficar a sós com o moribundo - disse,  já dentro do quarto.
                   Dona Aurora, a mulher do Jorge, aos prantos, a pedido de Dona Mercês, resolveu atender ao estranho  homem. Todos sairam do quarto, inclusive a quase-viúva, e, estando a sós com o quase-defunto, o Zé cochichou ao seu ouvido:
                  - Trate de abrir os olhos, seu corno, senão eu acabo de vez  com você !
                  Por uma dessas coincidências que, às vezes, nem  a  ciência  explica, o Jorge abriu os olhos, sentou-se na cama e foi logo perguntando:
                  - Quem é você ? Que faz aqui no meu quarto ?
                  - Eu sou Jesús. Vim para salva-lo. Você estava morto. Eu o trouxe de volta à vida -  explicou o Zé Maria, com voz pausada.
                  - Você tá doido, homem - foi dizendo o Jorge, pondo-se de pé.
                  Imediatamente, o sabido do Zé apressou-se em abrir a porta do quarto e, dirigindo -se à viuva e aos que se encontravam na sala, disse:                                          
                  - Entrem ! Fiz com que o Jorge voltasse à vida. Entrem todos.
                 Antes que o atordoado  Jorge pudesse entender direito o que se  passava, dona Aurora, aos gritos, entrou no quarto, abraçando-se o ex-defunto:
                 - Obrigado, meu Deus, o Jorginho está vivo ! Obrigado, Jesús !
                 - Não foi nada - disse o Zé.
                 - O milagre da ressurreição ! - exclamou  Dona  Mercês, ajoelhando-se  aos pés do milagreiro.
                 Logo todas as beatas ali estavam, ajoelhadas diante do Zé,  entoando  cânticos  e rezando na sala da casa, enquanto o “santo” pensava consigo mesmo:
                 - Estou feito.
                 Era tudo o que ele queria. De um dia para outro, não se falava em outra  coisa: um novo Jesús surgira em Belém e, como primeiro milagre, fizera um morto voltar  à  vida.  Reunidas, as mulheres da cidade, tendo à frente a sempre grata dona Aurora e a  sempre  espevitada  dona Mercês, conseguiram forçar seus respectivos maridos a ajeitarem a vida do Zé.   O  Jorge  entregou  uma  das  suas  casas,  já  mobiliada,  ao  homem  que  lhe  salvára a vida. Um  galpão foi transformado, a pedido do Zé,  em  um  centro  de atendimento,  onde  poderia  receber  mais  de trinta pessoas de uma só vez. Na frente, fez questão de colocar uma placa, com os dizeres “Casa de Jesús”. O novo Messias atendia a  todos, indistintamente, sem nada cobrar, mas as  pessoas,  incentivadas pela força da fé, nunca esqueciam de deixar algum dinheiro, em quantias que o  salafrário sempre arranjava um jeito de sugerir. A seu favor, estava a  lei  das  probabilidades,  com cerca de cinquenta por cento dos enfermos que buscavam cura  para  seus  males, saindo  de  lá com alguma melhora ou totalmente curados. Aos  que  continuavam  tão  doentes quanto antes, ele costumava dizer:
              - É preciso ter fé. Volte dentro de quinze dias, quando a sua fé em Deus estiver no auge. Só assim poderei cura-lo.
              Em pouco tempo, não se falava em outra coisa, em  todo o  sertão  mineiro,  senão no santo de Belém e nas suas curas milagrosas. E o Zé Maria, enquanto  as  romarias  de  vários estados vizinhos aumentavam à cada semana, ia vivendo a vida que pediu a Deus, com  uma  cidade inteira a seus pés, bem alimentado e confortavelmente instalado,  sendo  visitado,  à  noite,  por devotas devidamente escolhidas, especialmente por seus atributos  físicos. Para  não  trabalhar demais (coisa que não era do seu  feitio), logo  determinou  que  os  atendimentos  sòmente seriam  feitos aos  sábados e domingos, ficando o resto  da  semana  reservado  para  meditação, quando ficava em casa, em companhia de três mulheres, que cozinhavam, lavavam,  engomavam e atendiam a  todos os seus desejos.
              - Quem vai dormir comigo ?
              - Eu ! - diziam as três a um só tempo.
               - Já que não chegamos a um acordo, vamos dormir os quatro na mesma cama,  para que ninguém fique com mágoa de ninguém - decidia, sabiamente, o tarado do Zé.
              As complicações aumentaram pro lado do embusteiro, quando a notícia do santo saiu na televisão e nos jornais, com direito a entrevista no Fantástico e tudo o mais.
              - Olha o santo, Apolinário ! - exclamou  dona  Olga, a  mulher  do  prefeito,  apontando pra TV.
              - É... o homem existe mesmo - disse o Apolinário.  E o prefeito de Belém  é  meu  amigo. Deve estar ganhando muito dinheiro com essas romarias.
              - Se o homem é seu amigo, por que a prefeitura  não aluga  um ônibus  e  não  leva alguns dos  nossos correligionários para ver o santo ? Até o coronel Lima, que  anda  com  um  reumatismo danado, disse que iria com a gente.
              - É uma excelente maneira de conquistar o povo. Vamos alugar o ônibus hoje mesmo. O povo de Pau Ferro vai visitar Belém !
                             E foi assim que o doutor Medeiros,  o prefeito de Belém,  foi pessoalmente à  casa do santo para pedir que ele, no domingo, não deixasse de atender à  uma  caravana,  comandada por um velho amigo.
                             - Claro, prefeito. O senhor é quem manda. Quem é seu amigo é meu amigo também -  disse o Zé Maria, que vivia de olho num terreno da prefeitura, cuja doação o prefeito  já  havia mandado preparar.
                 Quando o ônibus parou na praça da igreja, quem primeiro desceu  foi  o  delegado Luizão, seguido de perto pelo Prefeito Apolinário, pelo coronel Lima e dois dos seus  capangas, e pela mulherada de Pau Ferro.
                  Dentro do galpão, todos se aproximaram lentamente do santo, que estava de  costas para o público, distante, em cima de um tablado, todo vestido  com  uma  túnica  branca  que descia até os pés.
                  A um sinal, todos se ajoelharam e se benzeram, enquanto o santo  se  virava para a platéia.
                   Ao dar de cara com o delegado e o coronel Lima,  ladeado  pelos  capangas  armados, Zé Maria perdeu a fala, empalideceu e ficou, ali, parado, sem saber o que fazer.
                - É ele ! É o Zé do Biu ! - gritou o delegado ! Mesmo com a barba, é ele !
                 - Vamos acabar com esse cabra safado ! - gritou o coronel,  já sacando o  revólver.
                 Tiros, gritos, confusão, e o Zé Maria saiu correndo, mergulhando de mata  a  dentro, perseguido de perto pelos desafetos.
              Dizem que a perseguição se estendeu por todo o dia, entrando pela  noite  e  muitos tiros se ouviram, a todo instante, ora vindo  da  mata  fechada,  ora  ecoando  nas  pradarias, acompanhados de gritos e palavrões.
                A partir desse dia, nunca mais se  falou  no santo, que deve ter  ido,  com  certeza, morar no céu.
                 Ou no inferno, como bem queriam os seus perseguidores.