terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O CONTO DO MÊS - DEZEMBRO






O mistério da Serra do Disco

Só não via quem não quisesse. Mas o disco estava lá, no alto da serra, despertando a atenção de todos que observavam, mesmo à distância, aquela obra impressionante, esculpida pela natureza, ao longo de milhões de anos. Era um disco, no melhor estilo desses que aparecem nos filmes de ficção-científica, como se estivesse levantando vôo, dando-se para ver, ao cair da tarde, com o sol por trás da serra, alguns pontos de luz nos buracos existentes, parecendo janelas ilumina- das. Nas proximidades do local, de onde se tinha a melhor visão da estranha formação rochosa, estava o sítio do seu Candinho, velho lavrador, que já aprendêra a conviver com os turistas que o visitavam - tanto que instalára, ao lado da casa, uma pequena e sortida bodega, onde todos podiam encontrar refrigerantes, frutos da região, água de côco e até fotos coloridas da famosa serra, sempre bem atendidos por Dona Santina, sua mulher, ou por um dos seus filhos, o Tião ou a Dorinha, de 18 e 20 anos, respectivamente, ambos sempre bem dispostos, simpáticos e sorridentes. Como o município de Cacimbinha não tinha nada a oferecer ao turista, já que a séde não passava de uma cidadezinha insignificante, com mil e poucos habitantes, sem hotel, sem restaurante e sem coisa alguma que pudesse incentivar alguém a visita-la, o velho lavrador, que de besta não tinha nada, tratou de melhorar as acomodações do seu sítio, tanto que algumas pessoas importantes, como os professores que vieram em um ônibus da Universidade Federal, dormiram em sua casa, ocupando todos os cômodos e o alpendre, onde cerca de dez redes estavam sempre armadas. Ultimamente, no entanto, os turistas vinham rareando cada vez mais e o dinheiro já não dava pras despesas, tanto que seu Candinho, a mulher e os filhos tiveram que voltar a lavrar a terra, coisa que há muito não faziam. Por conta da situação, vivia reclamando, especialmente do prefeito, acusando-o de nada fazer pelo turismo.

- Bom dia, Candinho - disse o prefeito Zé Tobias, fazendo uma visita ao seu compadre e amigo, logo cedinho.

- Num tem nada de bom, cumpade Tobia. A coisa puraqui tá cuma a cantiga da pirua: de má a pió. E tu num faz nada, hôme de Deus. Num mexe nem uma palha. De vez im quano é qui aparece um visitante... - disse, em tom de arenga, o seu Candinho.

- Tu sabe que eu não posso fazer nada - tentou explicar o prefeito. Só tem turismo, onde tem dinheiro pra se fazer propaganda e onde existe um mínimo de condições que a gente possa oferecer ao turista. E o que é que a gente tem aqui ? Nem uma coisa nem outra. Nem di nheiro, nem hotel, nem estrada, nem coisa nenhuma. Cacimbinha fica a mais de 600 quilômetros da capital. Isso não passa de uma cidadezinha perdida e esquecida nos cafundós desse sertão medonho. A gente não pode fazer nada e turista que tiver juizo não bota o pé por essas bandas.

- É... eu tô de cabeça quente porque deixei de ganhá um bom dinheirinho, mai reconheço qui é difice trazê as pessoas pro mode vê a Serra do Disco - reconheceu o agricultor, cabisbaixo.

- A não ser...

- A não sê o que, cumpade ?

- A não ser que um disco-voador de verdade aparecesse, ali, na serra !

- Ah, cumpade, isso num vai acontecê porque a gente sabe qui essa históra é invenção do povo...

Sem nem sequer apear-se do cavalo, o prefeito Zé Tobias fez a volta, deu rédeas ao animal e se despediu:

- Até mais ver, compadre. Tenha fé que a coisa melhora.

- Inté mais vê, cumpade - respondeu seu Candinho, com um riso de descrença nos lábios e balançando a cabeça negativamente.

À noite, antes de dormir, conversava com a mulher e os filhos.

- O prefeito acha que percisa de dinheiro pro mode trazê turista e a Prefeitura num tem um tostão furado... - lamentou-se.

- A gente tem que tê fé im Deus, Candinho. Se a gente tivé fé, a coisa mióra.

- Tão ouvino, mininada ? Todo mundo rezano pro mode vê se aparece um disco puraqui ! - disse, dirigindo-se ao Tião e à Dorinha, que já estavam quase dormindo, deitados em suas redes.

Por volta das dez da noite, o Chico Fumaça, com seu inseparável cachimbo no canto da boca, estava sentado, no batente do seu casebre, observando o céu estrelado e pensando na sua vidinha sem sentido, quando, sem querer acreditar no que via, observou, no alto da Serra do Disco, um intenso clarão, que iluminou as cercanias e, após alguns segundos, desapareceu.

- Maria... tu visse ? - perguntou , quase sem voz, à mulher, que estava à janela.

- Vi, Chico. Te disconjuro. Qui diacho foi aquilo ? - quis saber.

- O disco da serra... ele se acendeu ! O disco se acendeu !

No dia seguinte, não se falava em outra coisa: o Chico Fumaça e a dona Maria tinham visto o disco-voador ficar todo iluminado, como se quisesse voar. Outras figuras, menos confiáveis, tambem afirmavam que o clarão ocorrêra, e até acrescentavam que a enorme pedra em forma de disco se elevára ao céu e retornára ao tôpo da serra. Um fuzuê dos diabos tomou conta de Cacimbinha e, como era previsto, na noite daquele dia, quase toda a população da cidade se postou no terreiro do seu Candinho para ver a estranha luz. E o fenômeno não se fez de rogado: por volta das dez e meia, um novo e intenso clarão iluminou a serra, provocando um frisson no seio da platéia. E não se falou em outra coisa até o nascer do dia.

Quando foi chamado ao posto telefônico, o Prefeito Zé Tobias nem queria acreditar no que a telefonista dizia:

- Seu Tobia, o hôme da televisão quer falá com o sinhô !

E não ficou só numa emissora de televisão, não. Logo, outra manteve contáto. E mais outra. Durante todo o dia, o prefeito não fez outra coisa, senão atender a telefonemas de editores de jornais e revistas que queriam confirmar o aparecimento de um OVNI em Cacimbinha.

- É verdade, meu amigo - dizia a todos, entusiasmado, o prefeito -, os habitantes da cidade testemunharam a presença do bicho no alto da serra !

Enquanto Zé Tobias e seu Candinho comemoravam o inesperado acontecimento, que haveria de trazer, além da imprensa, milhares de turistas ao município, o sargento Donato, delegado da cidade, desconfiado por natureza, resolveu fazer as suas investigações.

- Isso não tá cheirando bem...

Acompanhado por dois soldados, o delegado subiu a serra e lá, em volta da enorme pedra, encontrou, logo de cara, os indícios que procurava.

- Como imaginei - disse consigo mesmo -, aqui estão as marcas dos fogos de artifício. Alguem colocou uma girândola por trás da pedra e, quando ela foi acêsa, provocou o clarão que todo mundo viu. E eu já sei quem foi que fez isso...

De volta à cidade, mandou chamar Tião e Dorinha, os filhos do seu Candinho, à sua presença.

- Não adianta negar - foi logo dizendo, com firmeza, o sargento. Foram vocês que botaram a girândola no alto da serra e iluminaram o disco com o clarão dos fogos. Já estive com Zé Fogueteiro e ele me disse que forneceu o material. Até entendo tenham feito isso pensando em ajudar ao seu pai. Mas o que fizeram foi uma trapaça.

Cabisbaixos, demonstrando que estavam envergonhados com o que fizeram, os dois adolescentes alegaram que só estavam tentando ajudar os negócios do pai, fazendo com que os turistas voltassem a visitar Cacimbinha. E prometeram que nunca mais voltariam a preparar ou tra armação igual.

- Mandei chama-los aqui para que saibam que não podem enganar a polícia - explicou o delegado. Mas como a coisa já tá feita e a imprensa de todo o país está vindo para cá, juntamente com milhares de turistas, resolvi não tornar público o que vocês fizeram. E até limpei todos os rastros de pólvora deixados em volta da pedra. Como é para o bem de Cacimbinha, resolvi deixar o dito pelo não dito. Só que vocês vão prometer que nunca mais farão o que fizeram !

Com Tião e Dorinha jurando, de mãos postas, que jamais voltariam a preparar tal armação, o delegado logo estava na rua principal, tentando controlar o trânsito, já que centenas de automóveis, ônibus e caminhões começavam a invadir a cidade, conduzindo jornalistas, técnicos e locutores de TV, e turistas, vindos da capital e de outras cidades de estados vizinhos.

O prefeito Zé Tobias e seu Candinho não cabiam em si de contentes, ante o alvorôço das pessoas, que já pretendiam, à noite, estar a postos, para presenciar, com seus próprios olhos, a aparição do disco-voador.

E foi assim que, por volta das dez da noite, o terreiro da casa do seu Candinho estava apinhado de pessoas que portavam binóculos e até lunetas, esperando o momento do clarão, de fotógrafos, com suas máquinas prontas para disparar, e repórteres de TV a postos, com suas câmeras apontadas para a Serra do Disco.

Quando já passava das onze horas, surgiu um clarão no céu, iluminando completamente o alto da serra. Enquanto todos observavam aquilo, sem querer acreditar no que seus olhos viam, o facho de luz foi descendo ao lado da pedra, aumentando de intensidade a cada movimento que fazia, permanecendo ali por quase dois minutos, até que se elevou por alguns metros e, como uma flecha de fogo, em velocidade vertiginosa, desapareceu no firmamento.

Enquanto todos comentavam o fáto e os repórteres de TV descreviam o que acabavam de ver, o delegado, irritado, pensava:

- Tião e Dorinha... eles não cumpriram o juramento ! Fizeram de novo !

Só que, ao virar-se, notou que os adolescentes estavam, ali, quietinhos, às suas costas.

- Não fomos nós... - disse o Tião.

- Foi um disco de verdade, sargento Donato ! - acrescentou a Dorinha, assustada.

- Um disco de verdade... - repetiu o homem da lei, completamente zonzo com o inusitado acontecimento.

Ao ser entrevistado pela televisão, o delegado, ainda sem saber como explicar o ocorrido, repetia sempre a mesma declaração:

- Todo mundo viu o que aconteceu... a luz que veio do céu... o disco luminoso ao lado da pedra, no alto da serra... e a luz, cada vez mais brilhante, levantando vôo e desaparecendo entre as estrelas ! Todo mundo viu e ninguem sabe dizer o que houve. Eu tambem não sei explicar o que vi. Mas que algo muito estranho ocorreu aqui, não resta a menor dúvida !

Todo aquele reboliço continuou pela madrugada, sem que ninguem conseguisse conciliar o sono.

E o delegado Donato, ao voltar para casa, ainda viu, por alguns minutos, no céu, uma pequena luz ao longe, no firmamento.

Como se estivesse a seguir seus passos.

Sentou-se no batente da casa e ficou olhando para o alto por alguns instantes.

Como se quisesse entender o que se passára.

Com a certeza que não poderia mais duvidar de coisa alguma nesse mundo de Deus.

Nem de disco-voador.





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